quinta-feira, 17 de março de 2016

Entrevista com o Paleontólogo Felipe Alves Elias

Paleodesign, Paleontografia ou como é mais comumente chamado, Paleoarte, é a arte de reconstruir paisagens e formas de vida pré-históricas. É uma interface imprescindível no processo de disseminação do conhecimento acadêmico através do público leigo (PAUL, 2003 apud GHILARDI et al, 2007).
No Brasil, muitos paleontólogos e paleontógrafos tem se destacado neste mundo científico e apresentado excelentes trabalhos de pesquisa e de divulgação da paleontologia através de seus artigos e desenhos.
Um deles é o paleontólogo e paleontógrafo, Felipe Alves Elias, paulista nascido em 1980 na cidade de São Paulo que aceitou conversar com a gente e apresentar o seu mais novo trabalho, o zoológico virtual PaleoZoo Brasil, que apresenta com um conhecimento científico apurado, todas as espécies pré-históricas encontradas e catalogadas em solo brasileiro. Certamente um avanço para a paleontologia do nosso Brasil que precisa a cada vez mais ser mais valorizada e apoiada.
Confira agora sem mais delongas a nossa entrevista!

O paleontólogo e paleontógrafo, Felipe Alves Elias


1. Olá Felipe, antes de começarmos, gostaria que se apresentasse para nós falando um pouco sobre você.

Cresci em uma cidade litorânea e passei minha infância brincando na areia da praia, em contato muito próximo com a natureza. Por isso, desde pequeno sempre tive uma ligação muito forte com as plantas e, principalmente, com os animais. Era curioso e gostava muito de aprender sobre eles. E gostava de desenhá-los também! Por causa dessa paixão acabei descobrindo também a vida pré-histórica, e percebi que queria seguir carreira na Paleontologia. Nessa época, lá pelo final dos anos 90, a internet estava se tornando popular, mas tudo ainda era novo e as informações ainda não circulavam com a mesma facilidade que hoje. Por causa da minha própria dificuldade em encontrar boas referências tive a ideia de criar uma página que falasse sobre o assunto para leigos. Desde então descobri que não apenas gostava da Paleontologia, mas amava compartilhar o que eu aprendia. Acabei cursando pós-graduação e finalmente tive a chance de viver o cotidiano de um paleontólogo - mas sem deixar de lado a paixão em popularizar essa ciência. Decidi usar um pouco da habilidade artística que eu havia desenvolvido para falar às pessoas sobre a vida extinta e a história de nosso planeta... foi então que comecei a receber convites e participar de vários projetos legais... e desde então não parei mais.

      2. Fale um pouco sobre seu trabalho.

Minha carreira como artista profissional começou em 2002. Tive a oportunidade de estar envolvido em muitos projetos interessantes desde então. Já produzi ilustrações para exposições, livros, matérias de jornais e revistas, jogos e até álbuns de figurinhas. Todas essas experiências foram importantes para o amadurecimento do meu trabalho no decorrer dos anos. Quando finalmente comecei a viver a rotina de um laboratório de Paleontologia, ao iniciar (em 2004) minha pós-graduação, percebi logo que daria um grande salto. Isso porque tentar reproduzir a anatomia, a aparência e o habitat de espécies extintas não envolve somente técnica artística, mas depende principalmente de uma boa dose de “intimidade” com a Paleontologia. É um trabalho de grande responsabilidade, pois a arte pode contribuir muito para educar e sensibilizar leigos sobre a importância dessa ciência. Para estarem aptos a levar isso para o lado profissional, artistas aspirantes infelizmente não contam com cursos regulares que garantam um diploma em Paleontografia (esse é um termo mais formal para o que a maioria das pessoas conhece como “paleoarte”): por conta disso, a qualificação mínima necessária exige uma boa dose de vivência nas rotinas próprias da Paleontologia -  trabalhos de campo, preparação de fósseis, familiarização com a linguagem e estrutura dos trabalhos acadêmicos, participação em encontros científicos, etc. Nessa época eu pude experimentar todas essas atividades, e por algum tempo tive a chance de desenvolver minhas próprias pesquisas paleontológicas. Esse amadurecimento eu tentei trazer para o trabalho de popularização da Paleontologia nos quais eu já estava engajado. Hoje eu me preocupo muito com a natureza e a qualidade do conhecimento paleontológico que eu transmito por meio dos meus trabalhos. Por conta disso cada um dos meus projetos é desenvolvido de forma muito minuciosa e cuidadosa, de maneira a garantir a máxima acurácia e honestidade possível com as informações paleontológicas disponíveis.

      3. Como surgiu a ideia para a criação do PaleoZoo?

O “embrião” da ideia que acabaria resultando no PaleoZoo Brazil nasceu logo no início da minha carreira profissional como paleontógrafo (artista especializado em produzir traduções visuais de hipóteses paleontológicas sobre espécies extintas). No início dos anos 2000 pouco se falava sobre a paleontologia brasileira: consequentemente poucos artistas dedicavam-se a retratar as espécies da pré-histórica do nosso país. Acabei, de certo modo, me especializando nesse tema, ao perceber que o público mostrava curiosidade em saber mais sobre nossa própria história paleontológica. Tive a chance de apresentar, em exposições e livros educativos, algumas das primeiras restaurações em vida de espécies nacionais praticamente desconhecidas do nosso público. Essas experiências começaram a plantar a semente daquilo que viria a ser o projeto PaleoZoo, que começou a ser traçado em 2005. Desde então não fiz outra coisa a não ser levantar informações sobre a fauna pré-histórica brasileira: em artigos científicos, apresentações em encontros de especialistas e livros de referência. Foi um longo e extenso trabalho para descobrir e reunir tantas espécies em um único catálogo, que consumiu 10 anos de dedicação.

      4. O que é o PaleoZoo?

O PaleoZoo Brazil trata-se, basicamente, de um grande atlas sobre a fauna pré-histórica brasileira. Reúne, pela primeira vez, informação sobre mais de 700 espécies de vertebrados já descobertos em nosso país – de todos os tipos, tamanhos e formas - assim como ilustrações que representam sua aparência de vida. Para isso foi necessário estudar as poucas evidências fósseis deixadas por essa fauna: cada ilustração exigiu dezenas de horas de estudos, esboços e desenvolvimento, na expectativa de que o resultado final fosse o mais acurado possível. Mas o projeto não se resume apenas a um catálogo de espécies: ele traz também textos que ajudam os usuários a entender um pouco sobre a ciência que nos permite descobrir e entender os fósseis e o tempo profundo, assim como a arte que usamos como ferramenta para trazer esse passado de volta à vida.

    5. Como você acha que o PaleoZoo pode contribuir com o crescimento da Paleontologia no Brasil?

A Paleontologia - que sempre foi muito disseminada na cultura de diversos outros países - começa a se tornar popular para o público brasileiro, graças especialmente à influência dos filmes de Hollywood e da recente onda de documentários produzidos por canais como Discovery, BBC e National Geographic. Mas como quase tudo o que chega ao nosso público é produzido fora do Brasil, o conhecimento que estamos assimilando sobre o tema acaba tendo origem quase totalmente “importada”. O PaleoZoo Brazil tenta apresentar parte da fauna pré-histórica brasileira, que raramente aparece nas fontes disponíveis. A ideia é saciar um pouco da curiosidade do público - que vem crescendo muito nos últimos anos - da forma mais acessível e ao maior número possível de pessoas. No Brasil, a Paleontologia enfrenta diversos desafios. Sensibilizar a sociedade para a importância dos fósseis e da pesquisa paleontológica é essencial para transformarmos esse cenário. Iniciativas de popularização desse conhecimento, como propõe o PaleoZoo Brazil, são, portanto, estratégicas para atingir esse objetivo.

6. E por falar nisto, qual a atual situação da Paleontologia brasileira? Estamos evoluindo nas pesquisas e achados ou ainda falta muito?

No Brasil, a Paleontologia enfrenta diversos desafios. O cenário, contudo, parece ter melhorado sensivelmente na última década. Programas de pós-graduação voltados para esta área, responsáveis por formar novas gerações de pesquisadores, vem surgindo e ajudando a ampliar o número de profissionais atuantes. Novos grupos de pesquisa vêm se estabelecendo em universidades e museus por todo o Brasil, embora em um ritmo ainda abaixo do necessário para cobrir toda a demanda e a extensão de nosso território. Investimentos em pesquisa de campo e de laboratório, assim como para a manutenção de acervo, são mais expressivos do que aqueles disponíveis há cerca de 10 anos - mas ainda estão longe de permitir que a pesquisa no Brasil atinja o mesmo patamar daquela desenvolvida em países com tradição mais antiga na área. Atividades ligadas à mineração e à engenharia civil – sem uma fiscalização ampla e eficiente, e executadas em discordância de protocolos adequados de operação e salvaguarda – ameaçam a integridade do patrimônio paleontológico... e nem entrei na questão do tráfico internacional de fósseis. No geral sou da opinião que desde a época que ingressei nesse meio, a Paleontologia no Brasil testemunhou avanços importantes, mas ainda há muito o que pode ser feito. Temos ótimos profissionais atuando e produzindo pesquisa de qualidade, somados a toda uma nova geração de talentos promissores, mas o caminho que nos levará a alcançar o mesmo patamar de potências da Paleontologia, como os EUA, Canadá e Argentina, ainda é longo.


     7. O que você espera do PaleoZoo?

Ele começa com um projeto para a internet, que pode ser consultado gratuitamente de qualquer lugar e por qualquer pessoa. Pensada para ser acessível, a página procura ser muito visual: a imagem é, por natureza, uma linguagem atraente e fácil de ser assimilada. Os textos, em geral curtos e objetivos, são acompanhados de traduções para o inglês – isso permite que as informações sejam acessíveis também para pessoas que não falam o português. A ideia é, no futuro, converter o projeto em livro impresso.


Com muita alegria agradecemos ao Felipe por ter nos concedido esta entrevista e dizer que, apesar de sermos um blog amador, estamos dispostos a contribuir com a divulgação da Paleontologia brasileira através do Planeta Antigo. Para quem quiser conhecer o PaleoZoo Brasil acesse clicando aqui!
Conheça também os trabalhos artísticos do Felipe Alves neste link.

Até a próxima!


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

GHILARDI, R.P.; RIBEIRO, R.N.S.; ELIAS, F.A. Paleodesign: Uma nova proposta metodológica e terminológica aplicada à reconstituição em vida de espécies fósseis. Paleontologia: Cenários de Vida, Editora Interciência, 2007. 


Um comentário:

Unknown disse...

espero ansioso pelo livro!!!