segunda-feira, 21 de março de 2016
quinta-feira, 17 de março de 2016
Entrevista com o Paleontólogo Felipe Alves Elias
Paleodesign, Paleontografia ou como é mais comumente chamado, Paleoarte, é a arte de reconstruir paisagens e formas de vida pré-históricas. É uma interface imprescindível no processo de disseminação do conhecimento acadêmico através do público leigo (PAUL, 2003 apud GHILARDI et al, 2007).
No Brasil, muitos paleontólogos e paleontógrafos tem se destacado neste mundo científico e apresentado excelentes trabalhos de pesquisa e de divulgação da paleontologia através de seus artigos e desenhos.
Um deles é o paleontólogo e paleontógrafo, Felipe Alves Elias, paulista nascido em 1980 na cidade de São Paulo que aceitou conversar com a gente e apresentar o seu mais novo trabalho, o zoológico virtual PaleoZoo Brasil, que apresenta com um conhecimento científico apurado, todas as espécies pré-históricas encontradas e catalogadas em solo brasileiro. Certamente um avanço para a paleontologia do nosso Brasil que precisa a cada vez mais ser mais valorizada e apoiada.
Confira agora sem mais delongas a nossa entrevista!
1. Olá Felipe, antes de começarmos, gostaria que se apresentasse para nós falando um pouco sobre você.
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O paleontólogo e paleontógrafo, Felipe Alves Elias |
1. Olá Felipe, antes de começarmos, gostaria que se apresentasse para nós falando um pouco sobre você.
Cresci em uma cidade
litorânea e passei minha infância brincando na areia da praia, em contato muito
próximo com a natureza. Por isso, desde pequeno sempre tive uma ligação muito
forte com as plantas e, principalmente, com os animais. Era curioso e gostava
muito de aprender sobre eles. E gostava de desenhá-los também! Por causa dessa
paixão acabei descobrindo também a vida pré-histórica, e percebi que queria
seguir carreira na Paleontologia. Nessa época, lá pelo final dos anos 90, a
internet estava se tornando popular, mas tudo ainda era novo e as informações
ainda não circulavam com a mesma facilidade que hoje. Por causa da minha
própria dificuldade em encontrar boas referências tive a ideia de criar uma
página que falasse sobre o assunto para leigos. Desde então descobri que não
apenas gostava da Paleontologia, mas amava compartilhar o que eu aprendia.
Acabei cursando pós-graduação e finalmente tive a chance de viver o cotidiano
de um paleontólogo - mas sem deixar de lado a paixão em popularizar essa
ciência. Decidi usar um pouco da habilidade artística que eu havia desenvolvido
para falar às pessoas sobre a vida extinta e a história de nosso planeta... foi
então que comecei a receber convites e participar de vários projetos legais...
e desde então não parei mais.
2. Fale um pouco sobre seu trabalho.
Minha carreira como artista profissional
começou em 2002. Tive a oportunidade de estar envolvido em muitos projetos
interessantes desde então. Já produzi ilustrações para exposições, livros,
matérias de jornais e revistas, jogos e até álbuns de figurinhas. Todas essas
experiências foram importantes para o amadurecimento do meu trabalho no
decorrer dos anos. Quando finalmente comecei a viver a rotina de um laboratório
de Paleontologia, ao iniciar (em 2004) minha pós-graduação, percebi logo que
daria um grande salto. Isso porque tentar reproduzir a anatomia, a aparência e
o habitat de espécies extintas não envolve somente técnica artística, mas depende
principalmente de uma boa dose de “intimidade” com a Paleontologia. É um
trabalho de grande responsabilidade, pois a arte pode contribuir muito para
educar e sensibilizar leigos sobre a importância dessa ciência. Para estarem aptos
a levar isso para o lado profissional, artistas aspirantes infelizmente não
contam com cursos regulares que garantam um diploma em Paleontografia (esse é
um termo mais formal para o que a maioria das pessoas conhece como
“paleoarte”): por conta disso, a qualificação mínima necessária exige uma boa
dose de vivência nas rotinas próprias da Paleontologia - trabalhos de campo, preparação de fósseis,
familiarização com a linguagem e estrutura dos trabalhos acadêmicos,
participação em encontros científicos, etc. Nessa época eu pude experimentar
todas essas atividades, e por algum tempo tive a chance de desenvolver minhas
próprias pesquisas paleontológicas. Esse amadurecimento eu tentei trazer para o
trabalho de popularização da Paleontologia nos quais eu já estava engajado.
Hoje eu me preocupo muito com a natureza e a qualidade do conhecimento
paleontológico que eu transmito por meio dos meus trabalhos. Por conta disso
cada um dos meus projetos é desenvolvido de forma muito minuciosa e cuidadosa,
de maneira a garantir a máxima acurácia e honestidade possível com as
informações paleontológicas disponíveis.
3. Como surgiu a ideia para a criação do
PaleoZoo?
O “embrião” da ideia que
acabaria resultando no PaleoZoo Brazil nasceu logo no início da minha carreira
profissional como paleontógrafo (artista especializado em produzir traduções
visuais de hipóteses paleontológicas sobre espécies extintas). No início dos
anos 2000 pouco se falava sobre a paleontologia brasileira: consequentemente
poucos artistas dedicavam-se a retratar as espécies da pré-histórica do nosso
país. Acabei, de certo modo, me especializando nesse tema, ao perceber que o
público mostrava curiosidade em saber mais sobre nossa própria história
paleontológica. Tive a chance de apresentar, em exposições e livros educativos,
algumas das primeiras restaurações em vida de espécies nacionais praticamente
desconhecidas do nosso público. Essas experiências começaram a plantar a
semente daquilo que viria a ser o projeto PaleoZoo, que começou a ser traçado
em 2005. Desde então não fiz outra coisa a não ser levantar informações sobre a
fauna pré-histórica brasileira: em artigos científicos, apresentações em
encontros de especialistas e livros de referência. Foi um longo e extenso
trabalho para descobrir e reunir tantas espécies em um único catálogo, que
consumiu 10 anos de dedicação.
4. O que é o PaleoZoo?
O PaleoZoo Brazil trata-se, basicamente, de um grande atlas
sobre a fauna pré-histórica brasileira. Reúne, pela primeira vez, informação
sobre mais de 700 espécies de vertebrados já descobertos em nosso país – de
todos os tipos, tamanhos e formas - assim como ilustrações que representam sua
aparência de vida. Para isso foi necessário estudar as poucas evidências
fósseis deixadas por essa fauna: cada ilustração exigiu dezenas de horas de
estudos, esboços e desenvolvimento, na expectativa de que o resultado final
fosse o mais acurado possível. Mas o projeto não se resume apenas a um catálogo
de espécies: ele traz também textos que ajudam os usuários a entender um pouco
sobre a ciência que nos permite descobrir e entender os fósseis e o tempo
profundo, assim como a arte que usamos como ferramenta para trazer esse passado
de volta à vida.
5. Como você acha que o PaleoZoo pode contribuir
com o crescimento da Paleontologia no Brasil?
A Paleontologia - que sempre
foi muito disseminada na cultura de diversos outros países - começa a se tornar
popular para o público brasileiro, graças especialmente à influência dos filmes
de Hollywood e da recente onda de documentários produzidos por canais como
Discovery, BBC e National Geographic. Mas como quase tudo o que chega ao nosso
público é produzido fora do Brasil, o conhecimento que estamos assimilando
sobre o tema acaba tendo origem quase totalmente “importada”. O PaleoZoo Brazil
tenta apresentar parte da fauna pré-histórica brasileira, que raramente aparece
nas fontes disponíveis. A ideia é saciar um pouco da curiosidade do público -
que vem crescendo muito nos últimos anos - da forma mais
acessível e ao maior número possível de pessoas. No Brasil, a Paleontologia
enfrenta diversos desafios. Sensibilizar a sociedade para a importância dos
fósseis e da pesquisa paleontológica é essencial para transformarmos esse
cenário. Iniciativas de popularização desse conhecimento, como propõe o
PaleoZoo Brazil, são, portanto, estratégicas para atingir esse objetivo.
6. E por falar nisto, qual a atual situação da Paleontologia brasileira? Estamos evoluindo nas pesquisas e achados ou ainda falta muito?
6. E por falar nisto, qual a atual situação da Paleontologia brasileira? Estamos evoluindo nas pesquisas e achados ou ainda falta muito?
No Brasil, a Paleontologia enfrenta diversos desafios. O
cenário, contudo, parece ter melhorado sensivelmente na última década.
Programas de pós-graduação voltados para esta área, responsáveis por formar
novas gerações de pesquisadores, vem surgindo e ajudando a ampliar o número de
profissionais atuantes. Novos grupos de pesquisa vêm se estabelecendo em
universidades e museus por todo o Brasil, embora em um ritmo ainda abaixo do
necessário para cobrir toda a demanda e a extensão de nosso território.
Investimentos em pesquisa de campo e de laboratório, assim como para a
manutenção de acervo, são mais expressivos do que aqueles disponíveis há cerca
de 10 anos - mas ainda estão longe de permitir que a pesquisa no Brasil atinja
o mesmo patamar daquela desenvolvida em países com tradição mais antiga na
área. Atividades ligadas à mineração e à engenharia civil – sem uma
fiscalização ampla e eficiente, e executadas em discordância de protocolos
adequados de operação e salvaguarda – ameaçam a integridade do patrimônio
paleontológico... e nem entrei na questão do tráfico internacional de fósseis.
No geral sou da opinião que desde a época que ingressei nesse meio, a
Paleontologia no Brasil testemunhou avanços importantes, mas ainda há muito o
que pode ser feito. Temos ótimos profissionais atuando e produzindo pesquisa de
qualidade, somados a toda uma nova geração de talentos promissores, mas o
caminho que nos levará a alcançar o mesmo patamar de potências da
Paleontologia, como os EUA, Canadá e Argentina, ainda é longo.
7. O que você espera do PaleoZoo?
Ele começa com um projeto
para a internet, que pode ser consultado gratuitamente de qualquer lugar e por
qualquer pessoa. Pensada para ser acessível, a página procura ser muito visual:
a imagem é, por natureza, uma linguagem atraente e fácil de ser assimilada. Os
textos, em geral curtos e objetivos, são acompanhados de traduções para o
inglês – isso permite que as informações sejam acessíveis também para pessoas
que não falam o português. A ideia é, no futuro, converter o projeto em livro
impresso.
Com muita alegria agradecemos ao Felipe por ter nos concedido esta entrevista e dizer que, apesar de sermos um blog amador, estamos dispostos a contribuir com a divulgação da Paleontologia brasileira através do Planeta Antigo. Para quem quiser conhecer o PaleoZoo Brasil acesse clicando aqui!
Conheça também os trabalhos artísticos do Felipe Alves neste link.
Até a próxima!
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
GHILARDI, R.P.; RIBEIRO, R.N.S.; ELIAS, F.A. Paleodesign: Uma nova proposta metodológica e terminológica aplicada à reconstituição em vida de espécies fósseis. Paleontologia: Cenários de Vida, Editora Interciência, 2007.
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